Resumo
As doenças neurológicas nos equídeos constituem importantes causas de óbitos nestes animais. Entre as diversas etiologias das afecções neurológicas o vírus do Nilo Ocidental (do inglês West Nile virus-WNV), se destaca como importante agente zoonótico responsável por graves epidemias em todo mundo. Este arbovírus (arthropod borne viírus) está amplamente distribuído pelos continentes e mantém seu ciclo de transmissão através da relação entre mosquito vetor e aves reservatório/amplificadoras. Os equídeos, assim como o ser humano, são hospedeiros terminais não desenvolvendo viremia suficiente para transmissão ao vetor. Contudo, estes animais são considerados sentinelas, indicando a presença deste e de outros importantes arbovírus em uma região. A rápida expansão do WNV no continente americano, após sua entrada nos EUA em 1999, representou um desafio no diagnóstico deste vírus nos rebanhos equídeos. Evidências sorológicas indicam a presença do WNV no Brasil desde 2009. O país possui hoje um dos maiores rebanhos equídeos do mundo, apresentando condições ideais, além do clima, presença dos vetores e espécies de aves susceptíveis, para a epidemiologia de WNV e de outras importantes arboviroses. No presente estudo, foi padronizada uma técnica de nested RT-PCR, utilizando primers específicos direcionados à parte da região NS5 do WNV, com a finalidade de aumentar a sensibilidade do teste de diagnóstico molecular e, a partir dessa padronização, investigou-se a etiologia de quadros neurológicos em quatro equídeos (dois equinos e dois asininos) que vieram a óbito com encefalomielite aguda no Estado do Espírito Santo. Obteve-se então a primeira identificação do RNA de WNV em território nacional (capítulo 2). Após, a partir da parceria com o órgão de defesa animal do Estado de Minas Gerais, Laboratório de Sanidade Animal (Instituto Mineiro de Agropecuária, LSA-IMA), foram realizados novos estudos em 76 amostras de sistema nervoso central de equídeos com síndrome neurológica, todas negativas para o vírus da raiva, objetivando o diagnóstico das principais encefalites equinas virais através de técnicas moleculares. O diagnóstico diferencial incluiu o Herpesvírus equino tipo 1 (EHV-1- equine herpesvirus type 1); vírus do gênero Flavivirus, como WNV e Encefalite de Saint Louis (SLEV- saint louis encephalitis virus) e os vírus do gênero Alphavírus, como o vírus da encefalite equina do leste (EEEV- eastern equine encephalitis virus), o vírus da encefalite equina do oeste (WEEV- western equine encephalitis virus) e o vírus da encefalite equina venezuelana (VEEV-venezuelan equine encephalitis virus). As análises incluíram também histopatologia do SNC e de outros órgãos em 16 amostras. Os dados dos Formulários de Solicitação de Exame de Síndrome Neurológica enviados também foram avaliados quanto a parâmetros relacionados aos animais e as amostras. Como resultado, todas as amostras foram negativas para os flavivírus e alfavírus testados e 5% das amostras foram positivas para EHV-1. Contudo, foram constatadas diversas questões quanto à coleta, conservação e entrega ao laboratório, além da ausência de informações fundamentais, com apenas 43% dos formulários devidamente preenchidos (capítulo 3). Assim, com o objetivo de orientar e auxiliar os médicos veterinários quanto à adequada coleta e conservação de amostras de equídeos com síndrome neurológica, bem como na anamnese e exame clínico, orientações foram elaboradas para contribuir no diagnóstico das doenças neurológicas em equídeos (capítulo 5). Além disso, como estratégia alternativa no diagnóstico da infecção pelo WNV em equídeos, a investigação do vírus nas hemácias de um cavalo com síndrome neurológica resultou na detecção de um animal positivo na região sudeste do país (capítulo 4). Os resultados deste trabalho poderão auxiliar nas estratégias de diagnóstico das encefalites virais nos equídeos e na vigilância epidemiológica de WNV no Brasil, podendo ser valiosas no contexto da Saúde Única.
Neurological diseases in equidae are important causes of death in these animals. Among the various etiologies of neurological disorders, the West Nile virus-WNV, stands out as an important zoonotic agent responsible for serious epidemics worldwide. This arbovirus (arthropod borne virus) is widely distributed across continents and maintains its transmission cycle through the relationship between vector mosquito and reservoir / amplifying birds. Equidae, like humans, are terminal hosts not developing enough viremia to transmit to the vector. However, these animals are considered sentinels, indicating the presence of this and other important arboviruses in a region. The rapid expansion of WNV in the American continent, after its entry into the USA in 1999, represented a technical challenge in the diagnosis of infection in equine herds. In Brazil, one of the largest equine herds in the world, serological evidence indicated the presence of WNV since 2009. The country has ideal climate conditions for WNV transmission, as well as other arboviruses, with presence of vectors and the potential avian reservoirs species. In the present study, a nested RT-PCR technique was standardized, using specific primers directed to the NS5 gene of the WNV. The new technique was standardized investigating four equids (two horses and two donkeys) who died with neurologic signs of acute encephalomyelitis in the state of Espírito Santo. The study resulted in the first identification of WNV RNA in Brazil (chapter 2). Afterwards, based on the partnership with the animal defense agency of the State of Minas Gerais, through the Animal Health Laboratory (Instituto Mineiro de Agropecuária, LSA-IMA), further studies were carried out with 76 CNS samples from equines with neurological syndrome, all shown negative for rabies, aiming at the diagnosis of the main viral equine encephalitis through molecular techniques. The differential diagnosis included equine herpesvirus type 1 (EHV-1); viruses of the genus Flavivirus, such as WNV and Saint Louis Encephalitis (SLEV) and viruses of the Alphavirus genus, such as the Eastern Equine Encephalitis Virus (EEEV), the West Equine Encephalitis Virus (WEEV) and the Equine Encephalitis Virus Venezuelan (VEEV). The analyzes also included histopathology of the CNS and other organs in 16 samples. The Neurological Syndrome Examination Request Forms data sent were also evaluated for parameters related to animals and samples. As a result, all samples were negative for the flaviviruses and alphaviruses tested and 5% of the samples were positive for EHV-1. However, several issues were noted concerning the collection, conservation and delivery to the laboratory, and the absence of key information, with only 43% of forms properly filled (chapter 3). Thus, with the objective of guiding and assisting veterinarians in the field regarding the adequate collection and conservation of samples from equines with neurological syndrome, as well as aspects such as anamnesis and clinical examination, guidelines were developed to contribute to the diagnosis of neurological diseases in equines (chapter 5). In addition, as an alternative strategy in the diagnosis of WNV infection in equidae, the investigation of the virus in the red blood cells of a horse with neurological syndrome resulted in the detection of a positive animal in the southeastern region of the country (chapter 4). The results of this work may assist in the diagnostic strategies for viral encephalitis in equines and in the epidemiological surveillance of WNV in Brazil, which can be valuable in the context of One Health
Resumo
A síndrome da dilatação do proventrículo (proventricular dilatation disease - PDD) é hoje uma doença emergente de ocorrência mundial e de caráter fatal. O Bornavírus aviário (ABV) foi identificado em 2008 como o agente etiológico de PDD, tendo sido comprovada a relação de causalidade entre a infecção por ABV e PDD em infecções experimentais. A doença e a infecção por ABV foram previamente descritas no Brasil, em 2010-2012, com a primeira detecção na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. No biênio de 2015-2016, 46 psitacídeos cativos de espécies nativas e exóticas provenientes de criatórios e mantenedouros de fauna da região metropolitana de Belo Horizonte, de instituições privadas, do Laboratório de Pesquisa em Animais Silvestres (LAPAS) de Uberlândia e da casuística da rotina do Laboratório de Doenças das Aves da Escola de Veterinária UFMG, foram examinados para diagnóstico da causa mortis. Três espécimes (amostras 5, 21 e 22) foram encaminhados para acompanhamento clínico do curso da doença, com a realização de exames auxiliares, detecção molecular de ABV por RT-PCR nas fezes e swab cloacal e descrição das lesões post mortem por necropsia e histopatologia. Essas aves também foram submetidas ao diagnóstico diferencial por RT-PCR para os gêneros Alphavirus e Paramyxovirus. Dezenove aves recebidas em óbito (19/46 41,3%) foram avaliadas em exame histopatológico por apresentarem boa conservação post mortem. Como resultados, em nove (n=9; 19,6%) aves puderam-se observar lesões histopatológicas típicas para PDD (PDD positiva). Entretanto, em treze aves (13/46; 28,2%) com lesões macroscópicas características de PDD não houve confirmação histopatológica, sendo considerados quadros sugestivos de PDD. Em vinte e quatro aves (24/46; 52,2%) não foram encontradas alterações clínico-patológicas de PDD (PDD negativa). Considerando os resultados da RT-PCR para ABV, vinte e nove aves (29/46; 63%) avaliadas foram positivas, sendo que a maior sensibilidade foi observada utilizando os oligonucleotídeos para o gene que codifica a proteína da matriz (M) em comparação com o gene que codifica a proteína N (20/29 - 89,7%;3/29 - 10,3%). Entre as aves positivas para ABV por RT-PCR, onze aves (11/29; 38%) foram consideradas não doentes e portadoras do vírus. ABV foi associado à manifestação clínico-patológica de PDD em nove (9/46; 19,6%) aves avaliadas e foi detectado nas fezes e swabs cloacais de duas das três aves acompanhadas clinicamente (amostras 21 e 22). No Diagnóstico diferencial, duas aves (2/46; 4,3%) foram positivas na RT-PCR para gênero Alphavirus (EEV, vírus da encefalite equina), sendo detectado EEV em co-infecção com ABV em uma ave. Uma ave (1/46; 2,1%) foi positiva na RT-PCR para Paramyxovirus, embora a não conclusão do sequenciamento não permitiu o diagnóstico final. Os resultados apresentados no presente estudo confirmam a presença de ABV nos planteis de psitacídeos cativos da região metropolitana de Belo Horizonte, reforçam a associação de ABV e PDD, indicam a existência de aves portadoras saudáveis e de coinfecções.
The proventricular dilatation disease (PDD) is considered an emerging and fatal disease worldwide. An avian Bornavírus (ABV) was identified in 2008 as the cause of PDD, being the relationship of causality of ABV infection and PDD demonstrated in experimental infections. PDD associated to ABV was previously described in Brazil in outbreaks of PDD occurring in 2010-2012 in Belo Horizonte (Minas Gerais). In the years 2015-2016, 46 captive psittacines of native and exotic species were examined, original from wildlife keepers of the metropolitan region of Belo Horizonte, in private institutions, of wildlife research facilities (Laboratório de Pesquisa em Animais Silvestres, LAPAS, Uberlândia), or arriving at the avian diseases laboratory of the Veterinary college of UFMG (Laboratório de Doenças das Aves, Escola de Veterinária, UFMG). Three individual birds (5, 21 and 22) were accompanied during the complete course of the disease, with auxiliary clinical examination, the molecular detection of ABV by RT-PCR in feces and cloacal swab and the description of lesions post mortem at necropsy and histopathology. These psittacines were also submitted to differential diagnosis (RT-PCR) for Alphavirus and Paramyxovirus. Nineteen birds received dead (19/46 41.3%) were evaluated by histopathology for the good conservation post mortem. Results revealed nine birds (n=9; 19.6%) with PDD typical histopathologic lesions (PDD positive). However, thirteen birds (13/46; 28.2%) with typical macroscopic lesions of PDD, no histopathologic lesions were found, being considered cases suggestive of PDD. For twenty-four birds (24/46; 52.2%) examined, no clinical-pathologic lesions of PDD (PDD negative) were found. Considering the RT-PCR results, twenty-nine birds (29/46; 63%) were positive for ABV, being more sensitive the oligonucleotides directed to the matrix protein (M) gene, as compared to the N protein gene (20/29 - 89,7%;3/29 - 10,3%). Among the ABV positive birds, eleven (11/29; 38%) were not clinically affected and did not show lesions, and were considered reservoirs of ABV. ABV was associated to the clinical-pathological manifestation of PDD in nine birds (9/46; 19,6%) and ABV was detected in feces and cloacal swabs of two out of the three birds clinically followed (birds 21 e 22). Two birds (2/46; 4,3%) were positive for an Alphavirus (EEV, equine encephalitis vírus), being EEV detected in co-infection with ABV in one bird. One bird (1/46; 2,1%) was positive for Paramyxovirus, although the product was not sequenced and did allow further characterization. Results reinforced the association of PDD with infection by ABV, confirmed the occurrence of ABV in captive psittacines of the metropolitan region of Belo Horizonte, indicated the existence of healthy carriers of ABV and showed a low rate of co-infections with other RNA viruses involved with neuropathology.