Resumo
Este estudo analisou a sustentabilidade de pescarias artesanais costeiras no estado do Amapá, através de três abordagens complementares: uma descrição da dinâmica das pescarias e de sua cadeia de valor, uma caracterização dos conflitos pesqueiros e do estado dos recursos explorados na percepção dos pescadores e uma avaliação das pescarias com base em 32 indicadores multidisciplinares (ecológicos, econômicos, éticos, institucionais, sociais e tecnológicos) pelo método Rapfish. Os dados foram coletados entre 2014 e 2017 através de entrevistas com 395 pescadores, donos de embarcações e líderes comunitários. As entrevistas abrangeram o perfil socioeconômico dos pescadores, a captura e comercialização de pescado, os conflitos pesqueiros, o estado dos recursos explorados, entre outros temas. Entrevistas com funcionários de três empresas de processamento de pescado incluíram informações sobre espécies, produtos, mercado e transporte. Os dados das entrevistas foram complementados com observações de campo, registros fotográficos, interações com membros das comunidades, participação em reuniões das colônias de pescadores e dos conselhos das unidades de conservação e opinião de especialistas em pesca. Os entrevistados eram principalmente homens, com idade média entre 3743 anos, baixa escolaridade e renda, e experiência de pesca de 2024 anos em média. As comunidades pesqueiras apresentam alta dependência da pesca como fonte de alimento e renda, escassez de meios de subsistência alternativos, fraca representação política, falta de assistência governamental e dependência de intermediários para escoamento da produção. As pescarias são multiespecíficas, capturando espécies com ciclos de vida longos e vulnerabilidade moderada a alta, com o emprego de barcos de pequeno porte (612 metros) e redes de emalhe e espinhéis. A cadeia de valor compreende pescadores, atravessadores e empresas de processamento e exportação, abastecendo os mercados doméstico e internacional. A dinâmica do setor pesqueiro reflete uma variedade de estímulos locais a internacionais. Localmente, destaca-se a vulnerabilidade socioeconômica dos pescadores, a falta de infraestrutura pós-captura, a distância dos mercados consumidores e a ausência de controle efetivo sobre o esforço de pesca. Nacionalmente, o comércio é impulsionado pelo crescente consumo de pescado, enquanto a demanda por bexiga natatória estimula o comércio internacional. O principal conflito citado estava relacionado ao crescente fluxo de pescadores migrantes para a área de estudo, intensificando a competição por territórios de pesca e por recursos pesqueiros limitados, uma vez que 75% dos entrevistados citaram uma diminuição na abundância das espécies exploradas. Há também conflitos relacionados ao acesso aos recursos pesqueiros em unidades de conservação de proteção integral e na região transfronteiriça com a Guiana Francesa. Soma-se a estes fatores a ausência de políticas públicas eficazes, a carência de estruturas sólidas de governança e as grandes lacunas de conhecimento. Os efeitos cumulativos desses fatores resultam em pescarias com desempenho desfavorável em termos de sustentabilidade. A análise do método Rapfish indicou que a maioria das pescarias apresenta desempenho ecológico, econômico e social menos sustentável, bem como uma performance institucional e ética ruim. Nesse contexto, recomenda-se uma transição para um regime de gestão e governança colaborativa, bem como a implementação de arranjos capazes de lidar com estoques pesqueiros e atividades transfronteiriças. São necessários também esforços para a construção de instituições sociais coesas, capazes de participar efetivamente do processo de tomada de decisão e assumir responsabilidades na gestão da pesca e conservação dos ecossistemas marinhos.
This study analyzed the sustainability of coastal small-scale fisheries in the state of Amapá through three complementary approaches: a description of the dynamics of fisheries and its value chain, a characterization of fisheries conflicts and the status of exploited resources according to fishers perception and an assessment of fisheries based on 32 multidisciplinary indicators (ecological, economic, ethical, institutional, social and technological) using the Rapfish method. Data were collected between 2014 and 2017 through interviews with 395 fishers, boat owners and community leaders. The interviews covered the socioeconomic profile of fishers, the catching and marketing of fish, the fisheries conflicts, the status of the exploited resources, among other topics. Interviews with officials of three fish processing companies included information on species, products, market and transportation. Interview data were complemented by field observations, photographic records, interactions with community members, participation in meetings of the Fishers Colonies and the councils of the No-Take Zones, and the opinion of fishery experts. Respondents were mainly men, with an average age of 3743 years, low education and income, and an average fishing experience of 2024 years. Fishing communities have high dependence on fishing as source of food and income, scarcity of alternative livelihoods, poor political representation, lack of government assistance and reliance on intermediaries for production flow. Fishing are multispecies, catching fishes with long life cycles and moderate to high vulnerability, using small-sized boats (612 meters) and gillnets and longlines. The value chain comprises fishers, middlemen and processing and exporting companies, supplying the domestic and international markets. The dynamics of the fishing sector reflect a variety of local to international drivers. Locally, the main drivers are the socioeconomic vulnerability of fishers, the lack of post-harvest infrastructure, the distance from consumers and the lack of effective control over fishing effort. Nationally, trade is driven by increasing fish consumption, while demand for swim bladder drives international trade. The main conflict cited was the increasing flow of migrant fishers to the study area, intensifying competition for fishing territories and limited fishery resources, as 75% of respondents cited a decrease in the abundance of exploited species. There are also conflicts related to access to fishery resources in No-Take Zones and in the transboundary region with French Guiana. In addition to these factors, there are the absence of effective public policies, the lack of solid governance structures and the large knowledge gaps. The cumulative effects of these factors result in fisheries with unfavorable performance in terms of sustainability. The Rapfish analysis indicated that most fisheries are ecologically, economically, and socially less sustainable and institutionally and ethically bad. In this context, a transition to a collaborative management and governance regime is recommended, as well as the implementation of arrangements capable of dealing with transboundary fish stocks and activities. Efforts are also needed to build cohesive social institutions capable of effectively participate in decision-making process and assume responsibilities in fisheries management and conservation of marine ecosystems.