Resumo
A capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) é o maior roedor do mundo, podendo atingir, até 100 kg, com o peso médio de indivíduos adultos de 50 kg. No sudeste brasileiro a capivara tem papel fundamental na manutenção da Febre Maculosa Brasileira (FMB), uma vez que funciona como hospedeiro amplificador para a bactéria Rickettsia rickettsii, agente causador da doença. Dentre as características necessárias para amplificação do agente, alta prolificidade e geração de novos indivíduos suscetíveis à rickettsemia são essenciais no cenário epidemiológico da FMB. Muitas paisagens modificadas pelo homem no sudeste do Brasil vivenciam expansão horizontal e vertical das populações de capivaras nas últimas décadas devido ao grande suprimento de alimentos, graças à expansão das monoculturas, como por exemplo, as canavieiras. Supôs-se, então, que as capivaras nas paisagens modificadas pelo homem (HMLs) estão aumentando suas reservas corporais, levando-as a um quadro de obesidade, quando comparadas às capivaras nas paisagens naturais (NLs) do bioma Pantanal do Brasil. Também se observou que a densidade populacional de capivaras em uma determinada área de ocupação é muito mais alta nas HMLs do que nas NLs, possivelmente por conta de um maior sucesso reprodutivo devido à oferta abundante de alimentos. Conjecturou-se, pois, que a obesidade dos animais em HMLs possa estar gerando distúrbios bioquímicos de natureza nutricional e metabólica. Esses distúrbios, somados a maiores capacidades reprodutivas, podem, portanto, aumentar as taxas de reposição de indivíduos, fazendo a manutenção da FMB no sudeste brasileiro. Objetivando responder a essas hipóteses, durante os anos 20152019, foram capturadas capivaras em sete HMLs no sudeste do Brasil, e em duas NLs do bioma Pantanal, todas com populações estabelecidas de capivaras. Foram realizadas coletas de sangue, mensuração de comprimento total, altura e circunferências de pescoço, tórax e abdômen, para comparar os resultados entre as populações, sendo as capivaras de NLs o grupo controle e as de HMLs o grupo experimental. Os resultados mostraram que os animais em HMLs eram mais pesados do que os animais nas NLs, e, apesar de mais pesados, eles não apresentavam medidas lineares maiores, excluindo qualquer tipo de interferência do tamanho nos valores de massa corporal dos indivíduos. Curiosamente, as capivaras de HMLs mostraram circunferências do pescoço e tórax maiores que aquelas registradas para capivaras em NLs. Além disso, o presente trabalho registrou um novo limite superior de peso para a espécie (105,2 kg). Ainda, os resultados encontrados nos exames de sangue demonstraram que, dos onze fatores bioquímicos analisados, cinco (albumina, creatina quinase, colesterol, frutosamina e proteína total) foram significativamente diferentes entre as populações e dois (cálcio e aspartato aminotransferase) foram limítrofes. A análise de fatores bioquímicos direta ou indiretamente relacionados à obesidade comprova que as populações de capivaras de HMLs estão desenvolvendo, devido ao excesso de gordura, uma série de distúrbios bioquímicos de ordem metabólica e nutricional, que podem levar ao aumento das taxas de mortalidade nessas populações. Soma-se a isso o fato de que roedores expostos a dietas altamente energéticas tendem a exibir maior sucesso reprodutivo.
The capybara (Hydrochoerus hydrochaeris) is the largest rodent in the world, reaching up to 100 kg, with an average adult weight of 50 kg. In southeastern Brazil, capybara occupy a fundamental role in maintaining Brazilian spotted fever (BSF), since it functions as an amplifying host for the bacterium Rickettsia rickettsii, the agent of the disease. Among the characteristics necessary for amplification of the agent, high prolificacy and generation of new individuals susceptible to rickettsemia are essential in the epidemiological scenario of BSF. Many human-modified landscapes (HMLs) in southeastern Brazil have experienced horizontal and vertical expansion of capybaras populations in recent decades due to the large supply of food, thanks to the expansion of crops, as for example, sugarcane. It was conjectured, then, that capybaras in HMLs are increasing their body reserves, leading them to a picture of obesity, when compared to capybaras in Natural Landscapes (NLs) of the Brazilian Pantanal biome. It was also observed that the population density of capybaras in a given occupation area is much higher in HMLs than in NLs, possibly due to greater reproductive success due to the abundant supply of food. It was conjectured, therefore, that the obesity of animals in HMLs may be generating biochemical disorders of nutritional and metabolic nature. These disorders, added to greater reproductive capacities, can therefore increase the replacement rates of individuals, maintaining the BSF in southeastern Brazil. To answer these hypotheses, during the years 20152019, capybaras were captured in seven HMLs in southeastern Brazil, and in two NLs of the Pantanal biome, all with established populations of capybaras. Blood collection, measurement of total length, height and circumferences of neck, thorax and abdomen were performed to compare the results between populations, with NLs capybaras being the control group and HMLs being the experimental group. The results showed that animals in HMLs were heavier than animals in NLs, and, despite being heavier, they did not present larger linear measurements, excluding any type of size interference in the individuals' body mass values. Interestingly, HMLs capybaras showed larger neck and chest circumferences than those recorded for NLs capybaras. In addition, the present work registered a new superior weight limit for the species (105.2 kg). The results found in blood tests showed that, of the eleven biochemical factors analyzed, five (albumin, creatine kinase, cholesterol, fructosamine and total protein) were significantly different between populations and two (calcium and aspartate aminotransferase) were borderline. The analysis of biochemical factors directly or indirectly related to obesity proves that the capybara populations of HMLs are developing, due to excess fat, a series of biochemical disorders of metabolic and nutritional order, which can lead to increased mortality rates in these populations. In addition, rodents exposed to high-energy diets exhibit greater reproductive success.