Duas contribuições do método freudiano de interpretação dos sonhos para uma teoria clínica em psicanálise

Resenha do texto: FREUD, Sigmund. (1900). O método de interpretação dos sonhos: a análise de uma amostra onírica. In: FREUD, S. A interpretação dos sonhos. Tradução: Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2019. p. 117- 142

De negativas e ideais de cor

O presente trabalho, lastreado em pesquisa bibliográfica, aborda algumas das formas como se dá o silenciamento dos debates sobre racismo no Brasil, inclusive no universo psicanalítico. A partir do texto “A negativa”, de Freud (1925), tratamos do uso recorrente da fórmula enunciativa segundo a qual o inconsciente não tem cor como meio de negar confirmando o racismo que ainda é impeditivo às reflexões críticas sobre a questão no meio psicanalítico. Resgatando a história da escravidão e do negro no Brasil, destacamos como o sofrimento deste se vincula à dimensão do abismo que se abre entre o eu negro e o ideal do eu de branquitude, que ainda lhe é imposto pelas grandes narrativas que conformam a sociedade brasileira

This work, based on bibliographic research, aims to address some of the ways in which debates on racism are silenced in Brazil, including within the field of psychoanalysis. Therefore, drawing from Freuds text “Negation” (1925), we will discuss the recurrent use of the enunciative formula that claims the unconscious has no color as a means of denying and confirming the racism that still hinders critical reflections on the issue within the psychoanalytic field. By retracing the history of slavery and Black people in Brazil, we will highlight how their suffering is linked to the gap that exists between the Black self and the ideal of whiteness that continues to be imposed upon them by the dominant narratives that shape Brazilian society

Prelúdios musicais para a clínica psicanalítica

Este trabalho discorre sobre os enlaces entre música e psicanálise, sendo inspirado pelo encontro entre a escritora George Sand, o pintor Delacroix e o músico Chopin. A partir da metáfora da nota azul de Chopin, a autora explora a aproximação da psicanálise com a música e as semelhanças entre a vivência da escuta musical e a experiência psicanalítica. Para isso, apresenta aspectos da história da música e de compositores, bem como faz referência à relação de Freud, Ferenczi, Klein e Winnicott com a música. As contribuições de autores contemporâneos, alguns músicos e psicanalistas, compõem a escrita, evidenciando a importância dos aportes dessa arte para a extensão e a flexibilidade da clínica psicanalítica

This work discusses the links between music and psychoanalysis, being inspired by the encounter between the writer George Sand, the painter Delacroix and the musician Chopin. Based on the metaphor of Chopins blue note, the author explores how psychoanalysis comes closer to music and the similarities between the experience of listening to music and the psychoanalytic experience. For this, it presents aspects of the history of music and composers, as well as makes reference to the relationship of Freud, Ferenczi, Klein, and Winnicott with music. The contributions of contemporary authors, some musicians, and psychoanalysts, makeup the writing, highlighting the importance of the contributions of this art to the extension and flexibility of the psychoanalytic clinic

Entre transmissão, formação e não-saber, a supervisão em psicanálise

Este artigo se propõe a interrogar a temática da supervisão em psicanálise. Mesmo antes de qualquer regulamentação, a prática de procurar um colega para compartilhar os desafios da clínica já acontecia no meio psicanalítico. Tendo em vista que esse dispositivo está presente desde os primórdios da psicanálise e oficializou-se como parte do tripé da formação, entende-se a relevância de explorar o tema e levantar questões. Nesse sentido, o artigo se lança a investigar a supervisão em psicanálise e as interlocuções com a transmissão, a formação e a noção do não-saber

This article proposes to interrogate the issue of supervision in psychoanalysis. Even before any regulation, the practice of meeting a colleague to share the clinical challenges was already happening in the psychoanalytic field. Bearing in mind that this resource has been present since the beginnings of psychoanalysis and became official as part of the tripod of psychoanalytic training, it is understood the relevance of exploring the theme and raising questions. In this sense, the article sets out to investigate supervision in psychoanalysis and the interlocutions with transmission, training and the notion of not-knowing

Paranoia: uma reflexão

A psicanálise inaugurou uma nova perspectiva a respeito do psicótico ao afirmar que o delírio seria uma tentativa de cura do sujeito, e não apenas um desvio da razão, como era tido pela psiquiatria do século XIX. Partindo desse pressuposto, propomos pensar que, para além da estrutura psicótica, as manifestações paranoides podem surgir em qualquer estrutura. Com esse objetivo, realizamos uma retomada sobre a questão da paranoia na teoria freudiana, bem como sobre a estruturação do ego e a relação do sujeito com o outro. Ao final, apresentamos algumas considerações sobre a especificidade da dinâmica psíquica nessa patologia, a qual analisamos de uma forma mais abrangente

Psychoanalysis has taken a new perspective on the psychotic when it states that the delirium would be an attempt to heal the subject, and not just a deflection of reason, as it was thought by psychiatrists in the 19th century. Considering this assumption, we believe that besides the psychotic structure, the paranoid manifestations might happen in any kind of structure. Having this in mind, we resume the issue of paranoia according to the Freudian theory, as well as the construction of the ego and the relationship between subject and the other. At the end, we present some considerations about the specificity of the psychic dynamic in this pathology, which we have analyzed in a broad manner

Psicanálise e rede social: entre a falta e o semblante

A partir de teorizações sobre o Eu e as identificações em Freud e Lacan, este artigo levanta questões relacionadas à posição do psicanalista no espaço virtual das redes sociais, a qual pode ter implicações nos sujeitos e, especialmente, na própria psicanálise. Para isso, são abordadas as ideias lacanianas de espelhamento imaginário e de fazer semblante. Uma inserção dos analistas no ciberespaço condizente com a função que ocupam pode se dar ao manter uma posição em falta, não categórica ou de sujeito suposto saber, tendo como norte para si e para os outros uma posição ética de crítica aos processos dessubjetivantes ou de massificação

Based on theorizations about the self and identifications, as in Freud and Lacan, this paper raises questions about the position of psychoanalyst in the virtual space of social media, which may have implications for the subjects and especially for the psychoanalysis itself. For this, the Lacanian ideas of imaginary mirroring and semblant making are addressed. An insertion of analysts in cyberspace consistent with the function they occupy can take place by maintaining a position of lacking, not categorical or of subject supposed to know, having as a guide for themselves and for others an ethical position of criticism in the face of de-subjectivating or massification processes

O que se diz, como se escuta e a ilusão do encontro de sentido

Este escrito é fruto de discussões desenvolvidas em grupos de estudos sobre linguística e suas fronteiras com a psicanálise. Tomando o aforisma lacaniano segundo o qual o inconsciente se estrutura como uma linguagem, o presente artigo aponta para os atravessamentos dos processos de construção de subjetivação como efeito de linguagem, tratando dos equívocos que resultam na quebra do espelhamento entre o eu (a) e o Outro. Apresenta-se como material empírico o recorte do áudio de um diálogo entre um bebê e sua mãe: o bebê aprende a rezar repetindo o que a mãe lhe ensina sobre a oração ave-maria. O recorte revela as dificuldades associadas ao desencontro entre o que se diz e como se escuta nas primeiras experiências de linguagem do infans junto ao Outro. Conclui-se que, do ponto de vista das formações do inconsciente como efeito de linguagem, esta é marcada pela não-coincidência do dizer, posto que as palavras são incertas, porosas, e que o desejo do Outro está sempre à deriva, inapreensível

Este escrito es el resultado de discusiones desarrollado en estúdios grupales sobre la lingüística y sus fronteras com el psicoanálisis. Tomando el aforismo lacaniano de que el inconsciente se estrutura como un lengage, este artículo apresenta a los cruces de los processos de construcción se subjetivación como efecto del lenguage. Señala los errores que resultan en la ruptura del reflejo, entre el yo y el Outro. Como material empírico, presento un recorte de áudio sobre el dialogo entre un bebé que aprende a rezar, repetindo lo que la madre le enseña sobre la oración Ave María. El recorte revela las dificultades entre lo que se dice y como se escucha en las primeras experiencias le lenguaje entre el infans y el Otro. Se concluye que, desde el punto de vista de las formaciones del inconsciente, como efecto del lenguaje, se caracteriza por la no coincidência del decir, porque las palavras son inciertas, porosas y que el deseo del Outro es siempre a la deriva, escurridizo

Uma clínica sensível a vivências traumáticas: contribuições teóricas de Sándor Ferenczi sobre os efeitos psíquicos do abuso sexual infantil

Este artigo discute a problemática do abuso sexual infantil sob uma visão psicanalítica a partir das contribuições de Sándor Ferenczi e de sua teoria do trauma. Para isso, trata do entendimento de trauma, de seu desenvolvimento e de sua repercussão no psiquismo, para então explorar possíveis desdobramentos da violência sofrida. A partir do entendimento da teoria, problematiza-se a prática clínica com indivíduos que passaram por vivências traumáticas e pensa-se uma clínica maleável com o princípio de uma presença sensível e empática. Entende- se, desse modo, que os estudos de um autor clássico como Ferenczi se mantêm contemporâneos, fazendo com que a compreensão do trauma se reflita no modo como se vivencia a clínica

This article discusses the problem of child sexual abuse from a psychoanalytic point of view, based on the contributions of Sándor Ferenczi and his theory of trauma. For this, it is understood the understanding of trauma and all its development and repercussion in the psyche, in order to understand the possible consequences of the violence suffered. From the understanding of the theory, the clinical practice is problematized with individuals who have gone through traumatic experiences, and it is thought from a malleable clinic with the principle of a sensitive and empathic presence. It is understood that the studies of a classic author such as Ferenczi, remain contemporary today, making the understanding of the trauma to be reflected in the way in which the clinic is experienced

Potência dos encontros em análise: uma forma de amar

A partir de vivências clínicas, o analista adentra no universo íntimo do paciente, onde emergem as mais primitivas conflitivas. Diante disso, é perceptível que existe um tema que perpassa diversas narrativas, inclusive fora do consultório: o amor. Esta produção delineou-se na perspectiva de encontrar sentidos de porque o amor é uma problemática tão emergente e tão intensa para os sujeitos. Pensou-se, então, a partir da constituição do sujeito e de suas relações e como isso surge no processo analítico, possibilitando, assim, o encontro íntimo com o analista no setting. Nesse encontro analítico, nos deparamos com a transferência e como ela opera na intensa vivência de análise, sendo possível, também, encontrar amor

A partir de las experiencias clínicas, el analista entra en el universo íntimo del paciente, donde emergen los conflictos más primitivos. En este contexto, se ha observado que hay un tema que permea diversas narrativas, incluso fuera del consultorio: el amor. Esta producción fue delineada desde el punto de vista de la búsqueda de significados de por qué el amor es un problema tan emergente e intenso para los sujetos. Pensamos, entonces, desde la constitución del sujeto y de sus relaciones y cómo esto emerge en el proceso analítico, posibilitando así el encuentro íntimo con el analista el setting. En este encuentro analítico, nos enfrentamos con la transferencia y como ella opera en la experiencia intensa del análisis, siendo posible, también, encontrar el amor

Identidade não é sinônimo de identitarismo: Resenha de O eu soberano: ensaio sobre as derivas identitárias, de Élisabeth Roudinesco

Élisabeth Roudinesco, O eu soberano: ensaio sobre as derivas identitárias. Tradução Eliana

Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2022

Entre o universo dentro de uma casca de noz e aquele incluído em nós (o enigma da alma)

Este trabalho, tendo como pano de fundo a psicanálise, procura construir

laços entre os enigmas da criação: o do Universo, o da vida e

da mente. Além disso, sob à luz da teoria freudiana, objetiva buscar

explicações, não só para as origens do nosso psiquismo, mas também

para a importância da aquisição de certas qualidades psíquicas. Estes

atributos são fundamentais para que nos tornemos seres humanos

éticos e criativos

As marcas das identificações: entre legados e escolhas, a constituição do sujeito em Freud

O presente trabalho busca realizar uma análise sobre a temática da

identificação a partir da obra freudiana, refletindo sobre o que poderia

ser compreendido como identificação primária e secundária. Ele ainda

se propõe a tratar das identificações nos funcionamentos psicopatológicos,

bem como a apontar breves compreensões que indicam como

esse conceito pode ser pensado, atualmente, a partir dos referenciais

da intersubjetividade

A escuta psicanalítica

O presente trabalho visa a pormenorizar as particularidades da escuta

psicanalítica, caracterizando-a. Ele compreende a escuta como ato de

reconhecimento do sujeito do inconsciente, tal como entendido pelo

psicanalista, considerando ainda que a resposta do analista é o que

permite o prosseguimento da fala. Enquanto ato de reconhecimento,

a escuta é ato; ensejando o amor de transferência, é o primeiro ato

psicanalítico

Os destinos pulsionais narcísicos e as vozes constituintes do Eu

Freud, em 1915, nos convoca a romper as fronteiras do já conhecido

e a transitar por caminhos talvez não tão novos, mas dessa vez

com a possibilidade de percorrê-los diferentemente do estabelecido.

Esse convite torna-se audacioso no momento em que ousamos fazer

uma releitura investigativa do texto freudiano “Pulsões e destinos da

pulsão”. Tal releitura pretende ressignificar os conceitos de sadismo

e masoquismo, estruturados em sintonia com os destinos pulsionais

narcísicos, sob a óptica da virada de 1920. Para cumprir tal meta, o

presente texto ocupa-se também do trabalho de 1924 intitulado “O

problema econômico do masoquismo”. Na interação desses dois tempos

do pensar freudiano — que implica uma mudança de perspectiva,

do sadismo primário para o masoquismo primário —, este artigo estabelece

um diálogo com as vozes constituintes do Eu. Diante dessa

concepção, trabalha a voz passiva, a voz ativa e a voz reflexiva média,

objetivando refletir sua função estruturante e psicopatológica: abrir

portas. Além disso, com o intuito de fazer trabalhar ideias, utiliza vinhetas

clínicas nas quais sintomas se fazem palco de expressão da voz

reflexiva média (“o que eu me faço”), em sua íntima relação com a voz

passiva (“o que ele me faz”) e com a voz ativa (“o que eu lhe faço”)