As (des)venturas da descontinuidade

Na vida, muitas vezes ocorre de experimentarmos situações ou condições que

nunca havíamos nem cogitado e que, de repente, passamos a ter que enfrentar

sem dispor de nenhuma preparação. Os sentimentos desencadeados quando

estamos diante de uma catástrofe, como incerteza, desassossego, solidão, medo e

desespero, podem ser compartilhados, mas variam em intensidade de pessoa para

pessoa. O entendimento a respeito de como o psiquismo pode reagir quando se

depara com algo de natureza traumática é o foco deste trabalho. A pandemia será

abordada devido ao efeito devastador que tem sobre o psiquismo, dentre tantos

outros, mas não se constitui como único alvo do estudo, uma vez que também

serão analisados um recorte clínico e a sinopse de uma minissérie da Netflix,

que contêm esse mesmo sentido. Refletir sobre a inquietante ideia de sobreviver

ao trauma e transformá-lo em algo positivo para a vida é o desafio proposto. O

conceito de resiliência contribuirá para a compreensão dessa questão

Manejos transferenciais: a experiência analítica nos novos tempos

O trabalho propõe uma reflexão sobre aspectos constitutivos da técnica psicanalítica

em face da experiência clínica de atendimento remoto que se impôs no período de

isolamento social determinado pela pandemia do coronavírus. Fato do contexto

atual, nunca antes vivenciado largamente como agora, o atendimento online

colocou em relevo importantes constructos da teoria da técnica psicanalítica. As

diferenças entre o atendimento online e o presencial, em relação ao enquadre, ao

setting, são muitas e, certamente, modificam tanto a disposição do analisando

como o estado de mente do analista. Apesar disso, observou-se que foi possível

dar uma sustentação ao trabalho psicanalítico nessa nova configuração. Pode-se

conjecturar que os dispositivos clínicos que modulam o encontro do par analítico,

como o trabalho de associatividade e os manejos transferenciais, por exemplo,

podem se manter em condições de permitir um encontro fértil, capaz de gerar

transformações e mudanças da experiência emocional inconsciente tanto do

analisando, quanto do analista, na vigência dessas novas circunstâncias

O ritmo, o tempo, o espaço

Este trabalho se propõe a abordar o valor e a importância do ritmo, do tempo e

do espaço na constituição e no desenvolvimento humano, segundo o psicanalista

D. W. Winnicott. Ressalta como esses mesmos aspectos repercutem na clínica

psicanalítica que tem por base o cuidado, no setting analítico. Tal compreensão é

permeada pelas ideias contidas no que foi denominado Três Cs, ou seja, confiança

comunicação continuidade. O Tripé dos Três Cs é uma síntese do que vem

sendo construído pela autora neste período pandêmico do Coronavírus (COVID –

19), na qual cada C representa um dos eixos que também norteiam sua abordagem

clínica que se inspira na teoria de Winnicott caracterizada pelo cuidado em seu

sentido mais profundo

Laços e desenlaces entre a psiquiatria e a psicanálise

Esse trabalho tem por objetivo descrever as diversas possibilidades de diálogo

produtivo (ou, às vezes, disruptivo) entre a psiquiatria e a psicanálise, no trabalho

de supervisão da assistência a pacientes feita por residentes de psiquiatria no

Hospital Universitário Walter Cantidio (HUWC) da Universidade Federal do

Ceará (UFC). Para tanto, nos valemos da nossa experiência em ambulatório de

psiquiatria e psicoterapia, em enfermaria e em setor de interconsulta psiquiátrica,

bem como na supervisão do trabalho desenvolvido por profissionais do CAPS

Geral da Regional III do Município de Fortaleza. Ao final, constatamos ganhos

significativos por parte dos residentes na compreensão acerca da contribuição

dos processos psíquicos inconscientes na formação dos transtornos psiquiátricos

e de suas influências no adoecer físico, além de observarmos maior domínio

deles sobre as questões transferenciais da relação médico-paciente e apreensão

satisfatória dos fundamentos do trabalho de psicoterapia

O tempo do luto na pandemia

A ausência dos rituais de despedida é um obstáculo forte para elaboração do luto,

pois a morte pede encerramento. Entre os desdobramentos desse impasse encontrase

o luto patológico, o qual pode conduzir o sujeito, diante de sofrimento intenso,

à produção de sintomas melancólicos. O objetivo desse trabalho consiste em

registrar uma tentativa de aproximação, por meio da psicanálise, das dificuldades

em elaborar o luto vivido por aqueles que perderam entes queridos na pandemia.

Tal aproximação utiliza textos de Sigmund Freud e de autores pós-freudianos,

como Janine Puget, que escreve sobre os fenômenos do mundo superposto,

refletindo sobre a experiência vivida no luto, quando esse atravessamento

entrelaça analisando e analista

“Não sei se sou pai ou se sou filho”: inconsciente e afetos nas demências

As autoras desenvolvem a ideia de que a demência particularmente a de

Alzheimer tem influências psicodinâmicas. Através de vinhetas clínicas, elas

apontam para a ação do inconsciente, dos processos primários, do esquecimento

como mecanismo de defesa do ego e para o retorno a fases primitivas do

desenvolvimento infantil. Destaca-se a surpreendente sobrevida dos afetos,

mesmo com o caráter fugaz dos objetos sempre circunstanciais, como apontava

Freud. Propõe-se a observação psicanalítica desses idosos para alcançar melhor

compreensão e melhores maneiras de cuidar, contribuindo para sua qualidade de

vida e a de suas famílias e de seus cuidadores

Familia atual, de que família falamos?

O autor especula de que maneira as transformações socioculturais ocorridas na

família repercutem no romance familiar e no segredo familiar, conceitos clássicos

próximos de cripta, fantasma e herança transgeracional, criados mais recentemente

por Abraham e Torok. O tema também é ilustrado com episódios dos romances

familiares de Freud, Hergé e W. G. Sebald

De Lampião e Maria Bonita a Dj Ivis e Pamella: a violência de gênero no nordeste

Pensar em histórias como as de Maria Bonita, Maria da Penha e Pamella Holanda

é refletir sobre a naturalização da violência de gênero na cultura nordestina. Para

compreender que fenômenos podem pautar relações de gênero, este artigo aborda

os conceitos de Man Box e Teto de Cristal como ideias situadas entre o psíquico

e o cultural. Mais especificamente, propõe-se que na gênese desse fenômeno

encontram-se modelos identificatórios internalizados desde a infância, os quais

subsidiam acordos inconscientes em que homens e mulheres atuam de formas

complementares

Tudo sobre “meu pai” filme ou vida real?

O filme Meu pai, de Florian Zeller (2020), é considerado neste trabalho como

um trailer do inconsciente, com suas leis peculiares - a ausência de negativa ou

contradição, o deslocamento, a condensação, o desconhecimento da realidade,

o princípio do prazer e a atemporalidade. Destaca-se o distanciamento afetivo

entre o pai e a filha, dificultando o enfrentamento da demência e agravando o

sofrimento de ambos

Revisitando “Psicologia das massas e análise do eu”

A partir do centenário do texto Psicologia das massas e análise do eu, é feito um

paralelo entre o contexto sociocultural da época do Freud e o atual, especialmente

nas questões relativas à aderência a uma massa em que os sujeitos renunciam à

própria personalidade para estabelecerem vínculos com um determinado grupo.

Busca-se compreender as questões relativas aos mecanismos inconscientes na

formação dos agrupamentos humanos e a serviço de quais demandas subjetivas

individuais esses agrupamentos estão. Conceitos como identificação primária,

formas de expressão narcísica como narcisismo estruturante e narcisismo

destrutivo são abordados. O papel do líder, tema importante para Freud, também

é discutido

Masoquismo, essa estranha hidra de várias cabeças

O sujeito masoquista atrai sobre si mesmo violência e dor sendo esta forma de

gozar secretamente mais comum do que se pensa. No presente trabalho uma

breve revisão sobre o masoquismo será feita a partir do texto seminal de Freud

de 1924, incluindo-se contribuições de autores como Green , Guinard, Rosenberg

e Roussillon, os quais consideram o funcionamento masoquista como uma falha

na organização neurótica da personalidade. Sua importância já reconhecida por

Freud é retomada a partir do trabalho clínico desses autores à medida que este é

reencontrado no contexto de diferentes entidades psicopatológicas. A vinheta

clínica apresentada no final do trabalho ilustra as ideias abordadas ao longo deste

Laços de onipotência e culpa no funcionamento obsessivo

O trabalho aborda as inquietações experimentadas na análise de um paciente

com funcionamento obsessivo, ressaltando as vicissitudes dos movimentos

transferenciais/contratransferenciais vividos no encontro com ele, assim como

as férteis possibilidades de aprendizado suscitadas na construção de uma dupla

analítica. O texto faz um percurso em torno das características do funcionamento

obsessivo destacando a paralisação mental marcada por suas rígidas defesas

narcísicas e a ação da pulsão de morte depreendida a partir da violenta dimensão

compulsiva em ação nos rituais mobilizados. Recorrendo aos aportes teóricos

fundamentados nos escritos de Freud, Green, Ferenczi e Fédida, a autora salienta

a relevância da disponibilidade do analista para ofertar um espaço continente

que propicie ao paciente a possibilidade de ressignificar as dores não nomeadas,

vividas nos tempos mais primitivos de suas relações objetais

Psicanálise ↔ vida real

A autora descreve um pequeno fragmento da psicanálise, que envolve a pandemia,

ao qual associa uma ideia de Bion a respeito da análise real, do cotidiano. Desenvolve

uma reflexão, na qual encontra uma relação entre linguagem e comunicação e

seus enlaces com os campos da arte, literatura e filosofia. Destaca a arte como

uma ferramenta de trabalho útil e fértil tanto no âmbito da análise como da

vida, descrevendo, por meio da teoria de Bion, um caminho de articulação, uso e

aplicação da arte com ética e responsabilidade no campo analítico

A construção do vínculo analítico

Nesse trabalho são feitos comentários sobre o relato de uma psicanálise apresentado

em sessão de discussão clínica. A autora procura compreender como se dá esse

processo analítico em sua singularidade, acompanhando os movimentos que

ocorrem entre as integrantes da dupla analítica. Constata a evidente dimensão do

esforço feito tanto pela analisanda como pela analista, no qual, a primeira tem em

vista encontrar caminhos para a transformação do seu modo precário de vida e a

segunda, lançando mão de forma especial da contratransferência e se mantendo

atenta ao próprio estado psíquico e às suas reações, desenvolve um árduo trabalho

com o intuito de tornar profícua a experiência psicanalítica

Alguns comentários suscitados pela leitura de material clínico de Silvana Barros

A autora tece comentários sobre o material clínico enfocando alguns aspectos

relacionados à teoria, clínica e técnica dos chamados “casos difíceis”. Utiliza-se de

referências de alguns autores que estudaram esses casos bem como oferece pontos

de vista baseados em sua própria experiência como psicanalista

Um encontro analítico: transferência, contransferência e manejo clínico

O presente trabalho apresenta reflexões teórico-clínicas sobre uma análise, ressaltando

as complexas vicissitudes dos processos de transferência e contratransferência que

constituem o espaço de encontro entre a subjetividade do analista e a do paciente. Mostra

que na clínica com “pacientes de difícil acesso”, ou seja, naqueles que têm dificuldades

na comunicação e vinculação com o analista, as sensações experimentadas pelo analista

na contratransferência precisam ser constantemente observadas e compreendidas por ele

para serem manejadas em favor da continuidade do tratamento, como no caso relatado,

em que a paciente busca ajuda, cuidados, mas ao mesmo tempo, parece não aceitar e

recusa de certa forma, a ajuda solicitada. Psicanalistas como Ferenczi e Winnicott abriram

seus consultórios para esses pacientes e, posteriormente, Beth Joseph, juntamente com

Wilfred Bion, Hannah Segal e Herbert Rosenfeld, deram continuidade ao trabalho de

Melanie Klein, utilizando e expandindo os conceitos de projeção, identificação projetiva,

uso da transferência e contratransferência na abordagem clínica. Beth Joseph se interessou

especialmente pelos pacientes considerados difíceis e resistentes à análise. Em sua clínica,

não se detinha apenas às comunicações verbais do paciente, explorava o conceito de

contratransferência, levando em conta o estado mental do analista durante as sessões.

Acreditava que as interpretações possíveis de provocar mudanças psíquicas eram aquelas

baseadas na transferência e na contratransferência. Em outras palavras, explorava a

relação analista-paciente e o modo pela qual era vivenciada por cada uma das partes

E a criança descobriu que a dor na alma é mais perene que a dor no corpo

A partir do caso de abuso sexual de uma criança a autora procura refletir sobre

os desdobramentos físicos e psicossociais envolvidos na experiência. Ao longo do

texto tenta fazer uma compreensão subjetiva dos sentimentos da criança a partir

de uma leitura psicanalítica, assim como enfatiza o papel crucial da sociedade

diante da repercussão maciça do caso

O sonho interrompido: “A Gaivota”, de Anton Tchekhov

No presente artigo, baseado na peça A Gaivota, de Anton Tchekhov, analisaremos

o funcionamento narcisista da personagem principal da obra, Irina, extensivo

aos seus relacionamentos afetivos mais próximos. Toma-se como referência

os conceitos de Freud, Klein, Bion e Green, tais como: narcisismo, angústia de

separação, mãe morta, pulsão de vida e de morte. Embora o autor tivesse descrito

a peça uma “comédia de quatro atos”, não tinha caráter cômico, mas sim o usual

estilo do escritor na descrição de acontecimentos trágicos em meio às banalidades

da vida cotidiana. A peça descreve a história de um jovem que vivencia conflitos

edípicos não elaborados, mostrando suas dores psíquicas em cenas fragmentadas

refletidas no palco. Por meio do teatro, a obra apresenta o cenário de uma

sociedade burguesa narcísica a mercê de um profundo tecido social, ético e moral

esgarçado no trato fino das relações afetivas

As afinidades eletivas, de Goethe: breve leitura do ensaio de Walter Benjamin

Trata-se de uma breve leitura do famoso ensaio de Walter Benjamin sobre o não

menos famoso romance de Goethe, As afinidades eletivas. Procurou-se realçar os

pontos essenciais da interpretação de Benjamin dessa obra goetheana, concebida,

não como comentário, mas como crítica. A intenção aqui é destacar o que, para

Benjamin, seria o teor de verdade dAs afinidades eletivas